terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Náutico Profissional - Entrevista com Alex Bourgeois

Alexandre (Alex) Bourgeois chegou ao São Paulo Futebol Clube em 2015 com o peso da indicação de Abílio Diniz, um dos maiores empresários do país e conselheiro do time paulista. Como CEO de um dos maiores times da América Latina, o intento de Alex foi iniciar um modelo de gestão integralmente profissional, objetivo minado por uma série de fatores. Em virtude do fato de há anos o Náutico esbarrar no fracasso em praticamente qualquer tentativa pró-profissionalização do clube, entender o que deu errado nas tentativas de Bourgeois é uma oportunidade de antecipar erros no desejado movimento Náutico Profissional.

Para enquadramento das respostas de Bourgeois no contexto do Náutico, serão tecidos comentários após cada resposta, todos baseados nos documentos Náutico Analisado (2015) Náutico Analisado II (2016), todos com acesso disponível em link no fim da entrevista.

Pergunta 1: Quais os maiores obstáculos enfrentados por um clube de futebol no processo de profissionalização?

Alex Bourgeois: O modelo. O modelo do futebol brasileiro baseado na gestão amadora tornou os clubes de futebol em agremiações políticas que também jogam futebol. O clientelismo, a briga pelo poder dificulta a gestão profissional. A gestão amadora e política tem uma visão de resultados no curtíssimo prazo que impede qualquer planejamento sério!

Comentário Náutico Profissional: Esportiva e comercialmente, há exemplos de sobra que reforçam a ideia de Bourgeois. No futebol, o Náutico não consegue começar e concluir uma temporada com o mesmo técnico desde 2004, que também foi o último ano no qual menos de 20 jogadores foram contratados (há um vício na troca de atletas e técnicos, enquanto não se questionam as ideias e o modelo de formação); comercialmente, o clube está sempre reformulando seu plano de sócios e segue sem uma adesão perene da torcida. 



Pergunta 2: Na conjuntura esportiva profissional, qual a relação entre tecnologia e profissionalismo?
Alex Bourgeois: Na Europa e em todos os esportes americanos essa relação é muito alta. No Brasil, por motivos culturais e também pelo modelo de gestão ultrapassado dos clubes essa relação é muito baixa. Existe também um certo ufanismo que nos faz sempre apostar no tal talento que resolve tudo sozinho, o salvador da pátria.

Comentário Náutico Profissional: Entre 2003 e 2017, dos mais de 100 atacantes contratados pelo Náutico, apenas 10 (Felipe, Kieza, Carlinhos Bala, Gilmar, Rogério, Bruno Meneghel, Acosta, Elton, Wellington e Geílson) marcaram mais de dez gols pelo clube. Ao final de 2015, o número médio de gols marcados por um atacante do Náutico (entre 2003 e 2015) era de 1,95 gol. Ainda assim, muitas vezes se justificam contratações profetizadas como equivocadas com perguntas como: "Quem era Kuki quando chegou aqui?" Ainda que, sim, Kuki tenha sido um achado e se configurado como uma espécie de salvador da pátria, em quase 20 anos nunca se achou um outro Kuki - e achar que haverá é uma utopia, além de revelar o tal ufanismo mencionado por Bourgeois. Ainda que fosse possível achar 'o novo Kuki', essa pergunta seguiria infundada, já que o baixinho chegou ao Náutico com um histórico artilheiro (ainda que em campeonatos pouco expressivos), enquanto os atacantes que aportam em Rosa e Silva nos últimos tempos possuem um número pífio de gols na carreira, uma métrica que não demanda qualquer tecnologia além de um simples acesso à internet para ser medida.


Pergunta 3: O quão prejudicial é para um clube ignorar o custo do sócio-torcedor? E como identificar esse custo?
Alex Bourgeois: O problema aí é maior que do que o custo. A questão é ter a capacidade de entregar ao sócio-torcedor, que é um consumidor, uma gama de produtos para ele consumir. Nossa relação com nosso consumidor é péssima, mas infelizmente isso não é monopólio do futebol. Precisa primeiro identificar quem são esses consumidores e o que eles desejam para depoisa analisar e potencializar uma relação de longo prazo.

Comentário Náutico Profissional: Por 'custo' do sócio-torcedor, o NP se refere ao quanto será investido pelo Náutico pela aderência de cada sócio. Por exemplo: se é prometido a cada associado uma revista mensal entregue em casa, quanto irá custar fazer essa entrega para um sócio? E para 100? E para 1.000? E para 5.000? Tendo essa noção, o clube pode melhor precificar suas categorias de associados como estudar melhor uma oferta mais rica na experiência.


Pergunta 4: Na contratação de atletas, qual o processo de migração do empirismo para a pesquisa operacional?
Alex Bourgeois: De novo é uma questão de modelo. Quais são os dirigentes capazes de identificar essa necessidade? Quais são os profissionais de futebol capazes de entender que isso pode ser uma grande ferramenta de ajuda a tomada de decisão e não uma ameaça ao seu emprego? Enquanto isso não for resolvido continuaremos no mundo do empirismo baseado no modelo de tentativa e erro!

Comentário Náutico Profissional: A dificuldade nesse meio se reflete não apenas em ter um profissional que entenda essa necessidade e busque soluções para atendê-la, mas por encontrar autonomia para este profissional. No atual modelo pelo qual o Náutico é gerido, um diretor-remunerado de futebol (a exemplo de Gustavo Mendes, Carlos Kila, Daniel Freitas e Alexandre Faria, executivos de futebol que o clube teve desde 2010) precisa, para tomar praticamente qualquer medida (principalmente se inovadora), do aval de um diretor de futebol (ex: Marcílio Sales), que precisará do crivo do vice-presidente de futebol (ex: Toninho Monteiro), que precisará da autorização do presidente. Esse formato é o mesmo em qualquer outro departamento do clube. Minimizar a hierarquia e estender essa medida a todas as áreas é uma das vertentes pregadas pelo Náutico Profissional.


Pergunta 5: Um de seus estudos reflete uma discrepância entre o investimento feito e os pontos conquistados por times de grande porte nacional. Quais são os pilares necessários para redução desta ineficiência?
Alex Bourgeois: O aumento da eficiência demanda montagem de um planejamento que comporte a medição dos resultados e uma gestão capaz de analisar esses índices conhecido como KPI - Key Performance Index 
(processo utilizado para medir aspectos como produtividade, qualidade, capacidade, indicadores estratégicos e lucratividade). Falta a capacidade de planejamento de fato no futebol brasileiro. Executivos contratam nomes e mais nomes sem ter nenhuma medição a não ser os jogos de quarta e domingo. É muito pouco para o futebol no século XXI.  

Comentário Náutico Profissional: Como medir métricas fundamentais se nem sequer as estabelecemos? Ao longo dos anos, principalmente pelo longo jejum de conquistas, o objetivo traçado pelo Náutico parece ser apenas conquistar um título. Dentro desse modelo de gestão, principalmente esportiva, isso é quase impossível, mas ainda assim, nunca se foi perguntado o que faria da temporada bem-sucedida caso não conquistássemos algo. Num futuro (e espero que próximo), passar uma temporada sem nenhuma conquista pode vir a ser considerado como FRACASSO para nós, mas no presente, tanto porque dispomos de recursos parcos quanto pelo fato de que fazemos um péssimo uso destes recursos, é preciso traçar objetivos que vão nos galgando até o cenário em que títulos sejam uma exigência justa, e não um delírio. O mesmo se aplica para um quadro associativo sustentável e lucrativo.


Pergunta 6: Além dos fatores particulares de cada clube, o que, no ambiente externo (federações, legislações, economia) interfere no processo de profissionalização?
Alex Bourgeois: Tudo interfere. Cultura, costumes, federação... Eu uso uma equação para definir o futebol brasileiro:
𝑓 (𝐹𝐵) =𝑀𝐴+𝑅𝐴+𝐺𝐴
Sendo:
FB = Futebol Brasileiro
MA = Modelo Associativo 
(por Modelo Associativo, Bourgeois se refere ao modelo de gestão no qual o Náutico é gerido, oposto a um sistema profissional, empresarial. Clubes europeus como Chelsea, Manchester City e United são geridos desta forma, enquanto Barcelona e Real Madrid possuem um modelo híbrido - uma mescla do modelo associativo com o empresarial. A utilização destes modelos se provou extremamente rentável. Nos anos 90, o faturamento anual do Palmeiras era superior ao do Manchester United; hoje, o United fatura sete vezes mais).
RA = Regulador Ausente
GA = Gestão Amadora

No Brasil, essa essa equação é <0. Se qualquer uma dessas variáveis mudar a equação vira > 0. A nossa economia tem total condição de apoiar um campeonato que poderia ser um dos 3 maiores do mundo. Mas a pergunta é: quem tem interesse em mudar isso?

Comentário Náutico Profissional: A pergunta final de Bourgeois revela uma máxima que prego: o presidente mais importante da história do Náutico não será o detentor de mais títulos, mas o mais corajoso. Mudar nossas próprias variáveis tem se mostrado uma missão espinhosa, ainda que o Náutico colecione resultados iguais ou piores ao longo dos anos. Continuamos fazendo as mesmas coisas, e de alguma forma, seguimos esperando resultados diferentes.





Visando um debate com a torcida sobre a necessidade de profissionalização do Náutico, o Náutico Profissional é um movimento apartidário que busca através de produção de conteúdo e ações acelerar esse processo, vital para o reerguimento do clube. Toda segunda-feira será publicado um conteúdo inerente ao assunto, que pode ser conferido através do blog Legião Alvirrubra ou acompanhado através de mailling, pela newsletter Náutico Profissional (optando pela newsletter, é interessante checar o lixo eletrônico ou spam para autorizar o recebimento direto na caixa de entrada - por se tratar de uma plataforma online, alguns e-mails podem restringir o recebimento).


Links:
Náutico Analisado (publicado em 2015)
Náutico Analisado II (publicado em 2016)


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